Pular para o conteúdo

Oportunidades no mercado de trabalho: o que o ECA tem a ver com isso?

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) comemora 31 anos no dia 13 de julho em meio a muitas conquistas, novas demandas e alguns retrocessos que ainda devem ser superados. Além de proteger e garantir direitos a crianças e adolescentes brasileiros, o ECA está diretamente ligado à continuidade da vida dessas pessoas, incluindo as oportunidades no mercado de trabalho que podem ou não encontrar futuramente. 

Promulgada em 1990, a lei nº 8.069 foi um marco para a conquista de direitos da infância e juventude que, antes, não reconhecia crianças e adolescentes como pessoas de fato. Tanto é que o artigo 3º do documento garante que:

“A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. 

Mas por que isso é relevante para o mercado de trabalho? 

Quando falamos de mercado de trabalho é praticamente impossível não associar a conquista ao emprego com os direitos previstos no ECA, principalmente porque o documento prevê que crianças e adolescentes tenham direito à educação sem fazer distinção de “nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem”

Por mais que o acesso à educação esteja previsto na lei, sabemos que na prática não é bem assim. E sem uma educação universal de qualidade o acesso ao mercado de trabalho fica bem mais complicado, especialmente para a população em situação de vulnerabilidade econômica e social – que no Brasil tem nome e rosto: são majoritariamente pessoas negras e de baixa renda. 

Já que a consequência natural da educação é a inserção no mercado de trabalho, o Capítulo V da lei é inteiramente dedicado ao direito à profissionalização e à proteção trabalhista. Segundo a lei, nenhum trabalho pode ser realizado por pessoas menores de 14 anos de idade (apenas na condição de aprendiz). Mais uma situação em que a lei não consegue ser executada em sua totalidade já que o trabalho infantil ainda é uma realidade no país: mesmo com queda de 16,8% entre 2016 e 2019, cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes se encontram nessa situação, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Garantir o acesso universal à educação é o primeiro passo para proporcionar acesso mais justo e igualitário para muitos brasileiros ao mercado de trabalho. Foto: Unsplash

Desse total, 66,1% das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil se declarava de cor preta ou parda, provando que o racismo é um grande fator de exclusão na fase inicial da vida de muitos brasileiros. 

Vale ressaltar que diferentemente do que muitas pessoas preferem acreditar, trabalho infantil não é trabalho, e pessoas nessas condições não estão inseridas no mercado de trabalho – estão sendo exploradas. 

Ter a oportunidade de começar a trabalhar cedo na empresa da família como aprendiz é algo completamente diferente de ser explorado por terceiros, prejudicando o desenvolvimento social e emocional do indivíduo. 

Apesar do ECA, a exclusão social ainda é realidade no Brasil 

Se a maioria das crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil são pessoas negras, isso diz muito mais sobre a configuração social do Brasil do que qualquer outro cenário. Na verdade, o problema não para por aí. 

Mesmo com origens sociais semelhantes, negros no mercado de trabalho ganham 17% a menos do que brancos, segundo pesquisa da PUC-RS. E isso em pleno 2020, ano em que as discussões sobre justiça social e racismo se acentuaram por conta de movimentos sociais como Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português). 

Se temos uma lei inteiramente dedicada aos direitos da criança e do adolescente, como explicar a evasão escolar, a violência doméstica infantil, o trabalho infantil, a falta de acesso à educação, esporte e lazer, e a falta de segurança por quem mais deveria proteger esses indivíduos? 

É fato que o ECA trouxe mudanças significativas para a realidade brasileira como a presença de Conselhos Tutelares em praticamente todos os municípios, unidades socioeducativas e de acolhimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, entre outros. No entanto, falhas na presença integral do Estado, a criminalização por parte da sociedade e a negligência de algumas famílias são fatores suficientes para fazer com que a discussão não avance na medida necessária. 

O resultado disso é a falta de garantias de acesso igualitário em termos de direitos, educação, cultura, esporte, lazer, e também oportunidades no mercado de trabalho. 

O que a iniciativa privada pode fazer para melhorar esse cenário

Mesmo sendo uma obrigação do Estado, a iniciativa privada e a sociedade como um todo também são responsáveis por mudar – ou pelo menos tentar aplacar – a realidade social brasileira. Foto: Unsplash

Quando o Estado é falho iniciativas surgem para tentar diminuir as consequências do problema. 

Mais do que garantir direitos à criança e ao adolescente, o ECA pode ser compreendido como uma espécie de “travessia” segura até a vida adulta. Quando essa travessia passa por problemas, é dever da sociedade acolher esses indivíduos e continuar garantindo oportunidades, especialmente no mercado de trabalho. 

E é aí que entra a iniciativa privada: entender a realidade socioeconômica brasileira para oferecer oportunidade no mercado de trabalho de uma forma justa pode ser uma grande solução para chegarmos cada vez mais perto do equilíbrio social. 

Seja através de programas de educação continuada ou sair dos grandes centros para encontrar talentos, pequenas mobilizações das empresas para promover o acesso ao mercado de trabalho tem potencial para começar a mudar o cenário social em que nos encontramos hoje. 

Veja o exemplo da Parças: somos uma edtech que prepara jovens da quebrada para o mercado de trabalho, mais especificamente para a área de tecnologia da informação. 

Estamos falando de uma profissão formada na sua grande maioria por homens brancos da classe média. Será que em termos de acesso à tecnologia todas as crianças e adolescentes tiveram a mesma oportunidade? Sabemos que não!

Essa simples característica já é suficiente para entender como funciona o mercado de TI no Brasil hoje. Agora pegue esse exemplo e amplifique para outras áreas do mercado de trabalho – medicina, advocacia, engenharia, comunicação, etc. 

Se a lei brasileira não consegue ser garantida em aspectos básicos como saúde e educação para crianças e adolescentes, dificilmente esses indivíduos chegarão preparados para o mercado de trabalho. 

Mudar essa história é uma questão de empatia, respeito e mão na massa. O que sua empresa tem feito para contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária? 

Compartilhe esse texto nas redes sociais e ajude mais empresas a criarem novas oportunidades no mercado de trabalho que sejam a cara do Brasil: plural!